O Presidente Joe Biden evocou o 106º aniversário do Genocídio Arménio tornando-se no primeiro Presidente dos EUA a reconhecer formalmente o massacre perpetrado pelo Império Otomano de mais de um milhão de arménios em 1915.
Até à data os EUA evitaram beliscar as suas relações com a Turquia, sua aliada da NATO, privilegiando os seus interesses geoestratégicos na região.

 

O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, reagiu de imediato à declaração de Joe Biden argumentando que a Turquia não recebe lições de ninguém sobre a sua história.

 

Por seu lado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros turco publicou um comunicado “rejeitando e denunciando categoricamente” a declaração de Joe Biden “feita sob pressão de círculos arménios radicais e grupos anti-turcos”.

 

O primeiro-ministro da Arménia, Nikol Pachinian, saudou a decisão histórica do Presidente dos Estados Unidos afirmando que este reconhecimento constitui “um exemplo animador para todos que querem construir uma sociedade internacional justa e tolerante”.

 

Na capital da Arménia, Erevan, este aniversário foi assinalado com uma marcha que se deslocou do centro da cidade até ao memorial dedicado às vítimas.

 

Portugal faz parte dos países que reconhecem o genocídio arménio que é contestado vigorosamente pela Turquia, herdeira do Império Otomano.

 

O dia 24 de Abril assinala o massacre de mais de um milhão de cidadãos arménios que viviam desde o século XV sob o domínio do Império Otomano e que foram deportados entre 1915 e 1917 durante a governação dos chamados Jovens Turcos com a intenção de exterminar a sua presença.

A vontade de autodeterminação ficou reforçada entre o povo arménio sobretudo a partir de 1909, no seguimento de um massacre que matou vinte mil arménios. O recrutamento de soldados arménios por parte do Império Otomano durante a Primeira Guerra Mundial também contribuiu para esse movimento tanto mais que muitas minorias étnicas eram contra esse recrutamento e a participação nessa guerra.

Há precisamente 106 anos, no dia de 24 de abril de 1915, um considerável número de dirigentes arménios, cerca de 250, foram presos e massacrados em Istambul.
Esmagada a liderança começou então a deportação e o massacre dos arménios que habitavam os territórios do Império Otomano. Há muitos relatos de individualidades de diversos países, incluindo representantes diplomáticos dos EUA e da Itália, que testemunharam atos criminosos em massa sobre população civil inclusive contra mulheres e crianças.
A título de exemplo basta citar o jornal The New York Times que relatou com pormenor o assassinato em massa do povo arménio, responsabilizando expressamente o governo otomano pelos crimes. O Presidente norte-americano Roosevelt considerou esses atos como um grave crime de guerra.
Os arménios foram as principais vítimas desses crimes perpetrados pelo Império Otomano durante esse período que também atingiu outros grupos étnicos como cidadãos Assírios e Gregos.
O Genocídio Arménio é, depois do Holocausto dos Judeus durante a II Guerra Mundial, o genocídio mais estudado por apresentar evidências claras de um plano para eliminar sistematicamente os arménios. Referindo-se a esse crime Hitler disse em 1939, nas vésperas da invasão da Polónia, “quem fala hoje do extermínio dos arménios?”.

Por ocasião do centenário deste crime o Parlamento Europeu aprovou uma resolução apoiada por todos os grupos políticos. Nessa resolução os eurodeputados instam a Turquia a reconhecer o genocídio arménio como método para chegar se atingir uma verdadeira reconciliação entre os povos turco e arménio. A Turquia e a Arménia continuam sem relações diplomáticas desde a independência arménia em 1991.

 

A Turquia continua a negar que tenha ocorrido este genocídio e que tenha existido um plano com esse objetivo.
A resolução presta homenagem à memória de mais de um milhão de arménios inocentes que perderam a vida entre 1915 e 1917.

 

O Parlamento Europeu teve o “cuidado” de no debate que antecedeu a votação não utilizar a palavra “genocídio” numa tentativa de evitar ferir a “sensibilidade” turca o que foi aliás muito criticado por diversos eurodeputados.

 

Apesar do Governo turco já ter reconhecido que foram perpetradas atrocidades pelas autoridades otomanas e expressado pesar aos descendentes das vítimas, a palavra genocídio é muito contestada pela Turquia. Vários países, incluindo os Estados Unidos, evitam utilizar esse termo para não prejudicarem as suas relações com a Turquia. Por outro lado, Alemanha, Argentina, Arménia, Bélgica, Chile, Chipre, Canadá, Eslováquia, França, Grécia, Holanda, Itália, Líbano, Lituânia, Polónia, Rússia, Suiça, Suécia, Uruguai, Vaticano e Venezuela reconheceram oficialmente como genocídio o massacre dos arménios otomanos durante a I Guerra Mundial.
As autoridades de Ancara comportam-se no cenário internacional como o motorista que conduz em contramão e protesta contra todos os demais. Por idêntica razão a Turquia colocou-se na insólita posição de único país no mundo que reconhece o pseudoestado do norte de Chipre proclamado na sequência da invasão perpetrada pelo próprio exército turco.

 

A Turquia ao invés de se indignar por factos que estão abundantemente documentados deve promover uma verdadeira reconciliação que passa obrigatoriamente pelo reconhecimento do genocídio cometido contra o povo arménio.

 

Continua evidente o pouco apego de Ancara aos valores da tolerância e da democracia tal como aliás recorrentemente manifesta contra os seus próprios cidadãos quando estes contestam o poder excessivo do governo turco.
O Parlamento Europeu votou uma resolução pedindo a todos os Estados membros e às instituições europeias para reconhecerem o genocídio arménio. Reagindo no habitual estilo de profundo desprezo pelas instituições democráticas o Presidente turco, Recep Erdogan, afirmou de imediato que o apelo do Parlamento Europeu “entrará por um ouvido e sairá pelo outro”. A resolução aprovada pelo Parlamento Europeu, renova idêntica resolução adotada em 1987 em que reconhecia que os acontecimentos trágicos de 1915-1917 constituíam um genocídio.
Como resultado direto do genocídio fugiram do Império Otomano os sobreviventes que conseguiram escapar tendo procurado refúgio em vários países. Chipre acolheu parte desses refugiados contando com uma relevante minoria arménia. Calcula-se que a diáspora arménia espalhada pelo mundo totaliza aproximadamente oito milhões de pessoas.
O Papa Francisco não poupou a Turquia mesmo tendo em conta a visita que efetuou a esse país em 2014 tendo classificado como genocídio o massacre dos arménios em 1915.

 

O Papa Francisco demonstrou uma atitude de coragem assumindo os valores que defende e sublinhando que atos de genocídio se continuam a praticar atualmente contra cristãos que apenas por esse motivo religioso são publica e cruelmente mortos de forma bárbara em diversas geografias do Médio Oriente.
A Turquia reagiu à declaração do Papa chamando a Ancara o seu embaixador no Vaticano. O MNE turco afirmou por sua vez que a declaração do Papa está longe da realidade histórica e que não pode ser aceite realçando que as palavras do Papa vão contra a mensagem de paz e de reconciliação que levou à Turquia na visita que o representante máximo da Igreja Católica fez em Novembro de 2014.

 

Como refere o investigador José Pedro Fernandes, autor do livro A Questão de Chipre, um decreto publicado em 1915 autorizou deportações por motivos militares. Esse decreto deu cobertura legal às atrocidades. Os arménios foram acusados de atos de traição e de apoio ao inimigo russo, pretexto utilizado para a sua deportação e massacre.
A Alemanha tardou 55 anos em pedir perdão ao povo judaico pelos crimes cometidos pelo regime nazi. Fê-lo todavia através do seu Presidente no Parlamento israelita em Fevereiro de 2000. A Turquia ganhará prestígio internacional quando assumir perante a comunidade das nações a sua responsabilidade histórica num crime que só deve envergonhar quem continua a negar a sua existência mesmo confrontado com um extenso acervo de provas.
Ao invés de reagir com a habitual agressividade que caracteriza o poder musculado que as autoridades turcas exibem com demasiada frequência, o mundo espera de Ancara um sinal de mudança que permita o estabelecimento de relações cordiais entre povos que ainda mantêm um grave contencioso como é o caso turco-arménio.

 

Nessa altura a Turquia verá seguramente a sua posição geoestratégica reforçada sem necessidade de exibir qualquer tipo de ameaça militar, económica ou outra.